Ratio VI


A razão trabalha com juízos.

A razão para nós aparece como um jogo regrado de juízos em oposições. De tal maneira que um julgamento qualquer, uma afirmação ou uma negação qualquer, produz e se acompanha, imediatamente, de um leque de outros juízos determinados, em sua necessidade, possibilidade ou impossibilidade, pelo primeiro juízo que fiz.

Se, por exemplo, eu penso como real a negação universal: “nenhum cachorro voa”, então, imediatamente, na medida em que me proponho e me educo a pensar racionalmente, eu sou conduzido a pensar, também como reais, uma série de outros juízos.

Assim, se “nenhum cachorro voa” é uma negação que, para mim, com certeza, constitui a estrutura da realidade, então, não pode, de modo algum, ser real a afirmação “um cachorro voa”. Quer dizer, se, por acaso, em algum momento, eu vir um cachorro voando, eu preciso qualificar minha visão como uma alucinação. Não posso aceitá-la simplesmente como real.

Ainda, se eu penso que Milu (o cachorrinho de Tintim) é realmente um cachorro, então eu não posso pensar Milu voando realmente, sob pena de ser considerado um louco ou um poeta. Ou, se aceito que Milu voe, então, não posso pensar que Milu seja realmente um cachorro.

O que eu quero dizer com isso é o seguinte: quando o pensamento se fixa em uma ideia, abre-se, sob o trabalho da razão, necessariamente, todo um campo estruturado de oposições, necessidades, possibilidades e impossibilidades reais, fora do qual só resta a desrazão.

O campo da desrazão é propriamente o inconsciente, tal como ele aflora nos sonhos, nos loucos, nos povos primitivos ou nas crianças. (Freud: “Nas camadas profundas da atividade mental inconsciente os opostos não são diferenciados um do outro, mas sim expressos pelo mesmo elemento”). Em Milu, eu sonho um cachorro e um bicho voador, sem que haja nisso qualquer oposição excludente.



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