A guerra mostra (ela atua como o agente erosivo do afloramento) nossa vida instintiva em toda a sua nudez. “Ela nos despe das camadas de cultura posteriormente acrescidas e faz de novo aparecer o homem primitivo em nós”*.
A vida nua, despida, é a vida como ela é, desprovida de suas capas e máscaras. A vida real. A realidade da vida. A guerra despoja a vida, expõe-na tal como ela realmente é. Porque a guerra faz parte da realidade da vida.
Negar isso, negar a guerra como elemento dos modos humanos de ser, não aceitar a sua realidade inexorável, é condenar-se a um sofrimento contínuo. Pois a guerra é uma realidade contínua.
Freud propõe que aceitemos a realidade da guerra, e com isso abandonemos as fantasias de uma existência sem guerra. Sob o domínio moral das fantasias e das ilusões imaginadas, não conseguimos compreender as ações humanas reais, rindo-nos delas, lamentando-as ou deplorando-as continuamente. (Spinoza: humanas actiones non ridere, non lugere, neque detestari, sed intelligere)
Decapar a vida de suas camadas morais fantasmáticas, mostrá-la tal como ela é e aceitá-la, eventualmente inclusive para transformá-la, é a função do realismo. Para Freud, o realismo, às vezes, pode tornar a vida suportável, quando a ilusão nos impede de suportá-la.
(*) FREUD, Sigmund. Considerações atuais sobre a guerra e a morte [1915]. Trad. Paulo César Lima de Souza. In: Obras completas. Vol. 12 (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2011. P. 246.
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