Diário II


Passei o dia de hoje com o terrível sentimento de que fui covarde, escolhendo vir aqui apenas porque era um caminho mais fácil do que a permanência em Berlim. Pois, agora, Moscou me parece pouco. As pessoas são rudes, descuidadas e, por isso, feias. Nada acontece. Embora eu saiba que, assim como eu a sinto, essa não seja a Moscou real.

Ou seja, o asco que me provoca o cheiro das ruas de Moscou transforma-se em ódio de mim mesmo. Odeio-me pelo que decidi e pelas consequências da minha decisão, que arrasta Asja para cá também. Em que medida isso comprometerá o nosso amor?

Só agora eu entendo o que A., meu amigo de Berlim, quis dizer, quando me perguntou se os moscovitas são feios. Sim, querido A., agora posso responder-te, as pessoas aqui são feias, entristece-me olhar para elas.

A fila no Ministério das Finanças consumiu algumas horas da minha tarde, apenas para saber se a remessa de dinheiro, que havia sido feita em meu nome, desde Berlim, já estava disponível. O tempo todo vinha-me à mente a imagem dos elegantes halls com colunas em mármore dos bancos de Berlim, com seus funcionários impecáveis em paletó e gravata (halls que, entretanto, eu achava opressores, esnobes e discrepantes com a realidade material dos próprios funcionários e dos clientes, quando eu estava por lá), causando-me uma estranha espécie de saudade de algo que, na verdade, eu não aprecio.

No saguão do Ministério de Finanças de Moscou, atrás e diante do balcão simples, feito com chapas de madeira, as roupas são sujas, mal-passadas, esgarçadas. Muitos vestem, por ali também, aqueles chinelos abertos que os moscovitas usam para ficar em casa.

O funcionário atende as pessoas, e discute suas demandas, na frente de todas as outras, sem qualquer preocupação com a sua privacidade.

Quando descobrem de onde eu venho, os moscovitas me dizem: – o único problema aqui é o frio, você precisa aprender a driblá-lo.

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