“Não é empresa fácil a um estranho devassar a intimidade do lar paulistano. [...] Escolhamos para o nosso inquérito um prédio de boa aparência. Pouco nos interessam as pousadas onde pousa a gente somenos: não varia no tempo e no espaço o espetáculo da miséria humana.”*
Considerado o trecho acima recortado, ao lado da afirmação de que a história é o conhecimento do “melhorar e melhorar-se”, fica-se com a impressão de
que, para o seu autor, não há história da miséria humana da gente somenos, porque sua condição não
varia, não melhora, é sempre a mesma, anistórica.
Se da condição da
gente somenos não se faz história, dessa condição, reserva-se-nos, ao menos, fazer a crítica – mostrar como são reproduzidas (junto a qualquer produção de
melhorias, pelos próprios modos de produção) as estruturas que mantêm sem variação
a condição da miséria. Mas, essa crítica precisaria ser histórica (a história, aqui, deixa de ser simplesmente a reportagem do passado “real”, para se tornar a ficção da realidade do passado).
No pensamento de outros, porém, não há coisas humanas das quais os historiadores diriam “pouco nos interessam”. Walter Benjamin, por exemplo, nos diz que para a
“humanidade redimida [...] seu passado se torna integralmente citável”**, em
cada um dos seus instantes e detalhes.
(*) MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante [1929]. In: SANTIAGO, Silviano (Org.). Intérpretes
do Brasil. Vol. 1. 2 ed. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 2002 [2000]. P. 1237.
(**) BENJAMIN, Walter. Sur le concept d’histoire [1940]. Trad. Maurice de Gandillac, revista
por Rainer Rochlitz. In: Oeuvres III. Paris: Gallimard, 2000. Tese III. P. 429.
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