Diário de Moscou XV – a visita de Bergson



Moscou não é um conceito, mas uma imagem.

Bergson, que encontrei durante sua visita a Moscou, colocou em suspenso, para a filosofia, o conhecimento por conceitos. Para ele, a essência movente do real não pode ser reconstituída a partir de conceitos que são elementos racionais imóveis.

O real (a coisa em si mesma) precisa ser apreendido por intuição imediata, num “esforço da imaginação”* e não da razão, que conhece mediante conceitos. Pois, os conceitos racionais são sempre derivados das propriedades que uma coisa compartilha com outras. O conceito conhece propriedades comuns e não a essência da coisa, que é sempre singular.

Essa intuição, essa “simpatia pela qual nos transportamos para o interior de um objeto para coincidir com aquilo que ele tem de único”**, é um ato simples que não comporta mediações simbólicas. E se a filosofia, enquanto metafísica, tem, no conhecimento do real, por procedimento intelectual (considerando aqui o esforço de imaginação um ato intelectual), a intuição, então a metafísica “é a ciência que pretende passar-se de símbolos”***. A metafísica, portanto, não pode falar do que, em si mesmo, é inexprimível.

Minha vida (e, particularmente, minha vida em Moscou), como objeto, é inexprimível. Só pode ser conhecida pela simpatia de um filósofo (que seja também o meu leitor).

Dessa vida minha posso oferecer ao leitor conceitos e imagens, mas nenhum dos dois pode representá-la, nem pode substituir a intuição que o conhecimento absoluto dela requer.

Conceitos são abstratos e só alcançam as propriedades comuns. As imagens, porém, têm a vantagem de serem concretas ou de “nos manter no concreto”****, pois permanecemos, com a imagem, ligados ao singular, apesar do distanciamento do símbolo.

Para fazer conhecer a minha vida (e particularmente em Moscou), segundo Bergson, eu deveria me valer de muitas imagens díspares, para que nenhuma delas possa “usurpar o lugar da intuição”*****.

Entretanto, eu uso apenas a imagem de Moscou. E Moscou-imagem toma o lugar da sua (e da minha própria) intuição de minha vida.

Ao menos, Moscou não é um conceito.








(*) BERGSON, Henri. Introdução à metafísica [1903]. In: O pensamento e o movente: Ensaios e conferências. São Paulo: Martins Fontes, 2006. P. 184.
(**) Ibid. P. 187.
(***) Ibid. P. 188.
(****) Ibid. P. 192.
(*****) Ibid. P. 192.

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