A palavra, pedra rolada
Lisa, sem asperezas, sem pontas, sem fios cortantes, sem ameaça. Esse modo de ser redondo e pacífico da pedra rolada decorre, porém, de uma multiplicidade incontável de choques passados, presentes. No corpo da pedra rolada, resta a imagem traçada, mas sem traços, desses choques múltiplos, mais ou menos intensos, incessantes, absolutamente contínuos, recíprocos, em meio a outras pedras roladas. Seu rolamento é ao mesmo tempo causa e efeito do rolamento das outras pedras.
Assim, também, se dá com as palavras. Sob a aparente não-violência da sua ordem discursiva (ou política), em sua institucionalização, nós, a quem é facultado tomar a palavra, permanecemos inquietos: “a inquietude de pressupor as lutas, as vitórias, as feridas, as dominações, as servidões, por meio de tantas palavras, cujo uso, há tanto tempo, reduziu-lhes a aspereza.”*
(*) FOUCAULT, Michel. L’ordre du discours. Paris: Gallimard, 1971. P. 10.
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