Para Kant, assim como os objetos das
inclinações,
As inclinações elas próprias, porém, enquanto fontes da necessidade, têm tão-pouco um valor absoluto para que as desejemos elas mesmas que, antes pelo contrário, ficar inteiramente livre disso tem de ser o desejo universal de todo ser racional.*
Mas, se, a partir disso, eu digo que um
traço marcante da moral kantiana é que ela tem horror às inclinações humanas, na medida em que o humano é um ser racional (visando, idealmente, a um espaço de
liberdade vazio delas), como a natureza tem horror ao vácuo (preenchendo, porém, por
necessidade, o espaço), certamente, alguém imediatamente se manifestará (quase
indignado) para tornar menos marcante o que digo.
Fariam-me ler que, de fato,
As inclinações são, consideradas em si mesmas, boas, isto é, irrepreensíveis, e querer extirpá-las seria não apenas em vão, mas também nocivo e censurável; muito pelo contrário, temos tão-somente de domá-las, de tal sorte que elas não se desgastem umas às outras, mas, em vez disso, se deixem harmonizar em um todo ao qual se dá o nome de “felicidade”.**
Assim, para os eruditos escolados, o
refinamento da leitura de um texto exige sempre a leitura de um outro texto e
assim por diante. De modo que cada leitura, como uma demão de tinta branca que
atenua um pouco a força de uma pichação preta sobre um muro, atenua um pouco a
marca própria de uma outra leitura do pensamento. Com isso, a erudição escolada
tende a tornar todos filósofos em figuras sem tatuagens.
(*) KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Guido Antônio de Almeida. São Paulo:
Discurso Editorial : Barcarolla, 2009 [1785]. Segunda Seção. P. 241. Grifo meu.
(**) KANT (“A religião nos limites...”) apud
ALMEIDA, Guido Antônio de. Introdução
e notas. In: KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Discurso Editorial : Barcarolla,
2009 [1785]. P. 328, nota 328.
Nenhum comentário:
Postar um comentário