O colar e o alívio

Um certo alívio (Mas em relação a que angústia? Sufoca-me o medo ou, o que dá no mesmo, o desprezo da multidão, das suas práticas, da sua racionalidade imanente) me advém da sugestão de que a multidão não é como uma massa (pode transformar-se em massa, mas apenas em certas circunstâncias). É preciso reconhecer os dispositivos que a convertem em massa. E, se possível, se desejável, neutralizá-los (é sempre perigosa e cega a massa?).

Isso diz respeito, claramente, à pretensa posição e tarefa do intelectual. O efeito Bourdieu (da separação radical entre o sociólogo e a sociedade de que ele fala), por exemplo, na crítica de Boltanski, ao que parece, nos levaria a afirmar que: “o sociólogo se torna o único sujeito ativo da crítica social, cujo objetivo é abrir os olhos das massas cegas, que desempenham antes um papel passivo”*.

O colar que me sufoca é pressupor que a multidão esteja sempre na forma da massa. Que o intelectual individualmente enxergue o que ninguém mais é capaz de ver. Que o intelectual não se considere, ele mesmo, uma parte da multidão. Ora, a esse tipo ideal de intelectual condiz, apenas, uma massa que o ouça, que o deixe pensar por ela. A multidão não lhe dá muitos ouvidos. Para ela, o intelectual é apenas mais uma voz na feira, anunciando uma promoção que só ele supõe mais espetacular do que as outras.

O intelectual-vidente faz massa.








(*) Conferir: PINZANI, Alessandro; REGO, Walquiria Leão. Vozes do bolsa família: autonomia, dinheiro e cidadania. 2 ed. São Paulo: Unesp, 2014 [2013]. P. 36. E... http://thesocietypages.org/monte/2012/09/01/an-interview-with-luc-boltanski-critique-and-self-subversion/

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