Conversões fanáticas II

Ainda estou com o problema do naufrágio-conversão insistente em ocupar-me a alma (quando tenho tantas outras coisas pendentes para me ocupar).

Mas, em que momento, precisamente, acontece a conversão do náufrago? Depois ou antes da sua salvação?

Com Zenão de Kition, vimos, a ordem aparente foi a seguinte: naufrágio-salvação-conversão. Ele salvou-se, antes de converter-se. 

Na conversão pós-salvação, escapar do naufrágio é, para o náufrago, com certeza, uma espécie de salvação milagrosa. E o milagre, um elemento da causa da sua conversão fanática.

Já com o personagem de Proust, não fosse ele quem ele é, a ordem aparentemente teria sido outra: naufrágio-conversão-salvação. A conversão se daria antes (como elemento causal) da sua salvação:

Quando nos vemos à beira do abismo e parece que Deus nos abandonou, não hesitamos em esperar dele um milagre.*

Entretanto, para o convertido fanático, “esperar dele um milagre” sem hesitar – isto é, a conversão – já é a própria salvação. Com efeito, para o convertido, a verdadeira salvação não é a sua sobrevivência física, mas a conversão da sua alma. 

Na questão naufrágio-conversão, a salvação não é um terceiro termo. 

Por isso, repito: – não dê imediatamente fé à fé de um náufrago.





(*) PROUST, Marcel. A fugitiva. Trad. Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Globo, 2012 [1923]. P. 37.

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