Até que ponto é verdade que não rimos do que é sério?


O que é sério, por definição, não nos faz rir. Nossos atos de liberdade, por exemplo, são profundos, criadores, artísticos, espirituais, admiráveis, aumentam a nossa autoestima e, por isso, são sérios.

Kkk... Tomados do exterior, porém, podemos (enquanto cínicos debochados) ter uma outra visão sobre nossos supostos atos livres... Nos orgulhamos de nossa liberdade, quando, de fato, estamos submetidos à necessidade da natureza e alheios a nós mesmos! Aparece ao cínico como cômico esse nosso orgulho, fruto da ignorância de nossa própria situação. O que é interiormente sério e admirável pode ser, portanto, exteriormente cômico e vexaminoso!

Assim, se, como diz Bergson, “tudo o que é sério na vida vem da nossa liberdade”*, então o cínico debochado estaria a rir o tempo todo.

No entanto, contrariando o cinismo, e fisgando o que há de Spinoza em Bergson, seria possível, na natureza, ser livre verdadeiramente. A verdadeira liberdade é o desdobramento no real (ou na vida) da necessidade da sua própria natureza, exclusivamente.

Ok, o que é livre é sério. Mas, como não somos inteiramente livres, podemos, livremente, rir de nós mesmos. Já o escravo enquanto escravo não pode (pode apenas deplorar a sua situação e impasse). Rir de si mesmo – olhe como eu faço o que faço, automaticamente, mecanicamente, como possuído; isso é engraçado, porque poderia ser diferente – já é um ato da liberdade, por envolver alguma autocompreensão e vislumbrar um outro modo de ser. O escravo enquanto escravo permanece sempre sério, nunca ri de si mesmo.

Nesse sentido, rir de si mesmo é um gesto de liberdade. Surge do livre-conhecimento do que é trágico em nós e se crê livre (e por isso é cômico).

Por sua vez, o riso do cínico debochado é um riso escravo (ele não ri de si mesmo; para rir, precisa dos outros).






(*) BERGSON, Henri. Le rire. Paris: GF Flammarion, 2013 [1900]. P. 108.


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