Diz-se que a língua nos engana, porque tomamos como categorias (formas, tipos, gêneros) do real categorias que são somente gramaticais, isto é, determinadas pela necessidade da comunicação e do hábito. Que a gramática da língua escraviza nossa experiência do real. Que, portanto, precisamos nos livrar da gramática, isto é, colocá-la no seu devido lugar, para pensarmos além dela e, assim, além do habitual.
Pode ser. De toda maneira, embora a língua seja somente um registro das imagens e dos hábitos dos falantes e não a estrutura do real, suas nuances e dobras subentendidas também nos revelam aspectos das imagens e dos hábitos reais.
A conjunção “e”, por exemplo, serve para adicionar, de maneira coordenada, coesa, coerente, dois nomes ou duas orações (que no nosso engano tomamos como entidades reais não linguísticas). Às vezes, porém, “e” funciona para indicar, na coordenação de dois nomes ou de duas orações, uma adversidade.
Por exemplo, dizemos: “Ele foi viajar, e foi contente”; e (ou mas) também: “Ele foi viajar, e foi descontente”.
O fato linguístico de que uma mesma conjunção sirva para indicar uma aliança ou um conflito parece esposar uma característica real, a de que a aliança (que é um requisito dos corpos) não suprime o conflito (entre os corpos que se aliam).
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