Memória e história


Seja Lorenzo o nome de um evento passado qualquer (isto é, considere Lorenzo uma variável numa função cujo domínio é o universo no seu aspecto temporal).
A história de minhas relações com Lorenzo é, ao mesmo tempo, longa e curta, simples e enigmática. É uma história que pertence a um tempo e a circunstâncias hoje abolidas, que nada na realidade presente poderia restituir, e que não acredito que ela possa ser compreendida de outro modo do que esse pelo qual são hoje compreendidos os fatos lendários ou aqueles dos tempos mais recuados.*
Os acontecimentos estão de tal maneira inscritos nas circunstâncias de sua emergência que, uma vez desfeitas estas circunstâncias, eles se tornam inexoravelmente uma lenda ou uma lembrança muito remota.
Por isso, a história dos acontecimentos não se faz a partir do testemunho da memória, ela precisa ser reinventada no presente, pela reconstrução imaginária das circunstâncias nas quais aqueles acontecimentos puderam emergir. O esforço da historiografia científica é apoiar esta reconstrução em remanências materiais.
A reconstrução da ligação entre o acontecimento e as circunstâncias de sua emergência pode ser positiva e negativa, de toda maneira, ela torna o acontecimento em evento de circunstâncias particulares.
É negativa quando engessa o presente. É positiva quando nos adverte para circunstâncias presentes que podem repetir os eventos do passado.

(*) LEVI, Primo. Si c’est un homme. Col. Pocket. Paris: Julliard, 2008 [1947]. P. 185.

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