Por exemplo, à medida que passamos a compreender as regras de confecção do cinema (sua semiótica, o jogo dos cortes, o balanço das câmeras, as inserções, os closes, as prises de vues, a influência da trilha sonora etc.), nessa medida, deixamos de ter uma percepção do filme que se caracteriza pela entrega, pelo devaneio que acompanha o fluxo das imagens e dos sons, e nos distanciamos.
[um certo estilo narrativo até mesmo compreendeu esse distanciamento como necessário; aí, a mostração exibicionista dos modos materiais de produção do cinema deveria desbancar o crédito ideológico, a magia das imagens em seu fluxo fetichista – somos porém todos tão loucos, que seria também uma loucura procurar a inversão da loucura]
Da mesma maneira, à medida que compreendemos o mecanismo das afetos, a maneira como surgem, como se intensificam ou se enfraquecem na sua relação com a imaginação e com outros afetos, nessa medida, nos descolamos de seu fluxo aparentemente caótico, aderente, e compreendemos sua lógica, ou melhor, sua geometria, a maneira pela qual, tal qual figuras geométricas, os afetos são traçados.
Esse distanciamento do sujeito em relação ao próprio conteúdo afetivo que o constitui pode parecer doentio, uma espécie de desdobramento do eu em que a identidade se perde. Talvez, porém, a relação de si a si que este desdobramento implica, pelo contrário, possa ser o início de um processo de despatologização, uma terapêutica, não no sentido de descaracterizar a afetividade como uma alienação, mas no sentido de governá-la como parte do governo de si.
Um comentário:
que lindo,sustentar esse olhar é uma prática que soma ao afeto uma carga ética(sick).
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