Um sistema de diferenças é um mecanismo de confinamento e isolamento do humano em sua individualidade; individualidade essa, determinada por sua persona, pelo seu papel específico no sistema de diferenças.
A individualização normatizada é um efeito de uma multiplicidade de ordens (comandos), por isso, a um sistema de diferenças corresponde um sistema de poderes, uma hierarquia.
Indivíduos isolados uns dos outros, de fato, se desconhecem (ou, o que dá no mesmo, só se conhecem, a si e aos outros, em razão do seu isolamento e normatização). Em seu isolamento, os indivíduos são dotados de um poderoso “temor do contato do desconhecido”*. Pois todo contato se apresenta como uma possibilidade de ruptura do isolamento em sua persona que constitui o indivíduo normatizado.
Para o indivíduo, todo contato com um outro é uma ameaça erótica ao isolamento ou à descontinuidade individual**.
Todo contato é uma ameaça de morte. E isso se liga, diretamente, ao fato de que a essência da ordem é a ordem de fuga. Foge, senão te mato! A obediência à ordem é a fuga, ou seja, o envolver-se, o dobrar-se para dentro de uma persona, de um indivíduo normatizado que obedece a ordens. As ordens são as mais variadas injunções que perfazem o espírito humano.
A maneira cada vez mais moderna de se desfazer da normatização e do isolamento individual (tão modernos), no sistema de diferenças, é abolir as diferenças, a normatização e a descontinuidade pela produção mais ou menos espontânea de uma massa humana aberta (ou contínua).
Mais ou menos espontânea... A espontaneidade ou não, esse é o enigma político da massa.
(*) CANETTI, Elias. Massa e poder. 4ª reimpressão. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
(**) BATAILLE, Georges. O erotismo. Trad. Fernando Scheibe. Belo Horizonte: Autêntica, 2013 [1957].
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